Público – 27 julho 2014
Porque SIM
DANIEL SAMPAIO
Existe hoje alguma controvérsia
sobre se os filhos devem dormir na cama dos pais, pelo menos durante os
primeiros meses de vida. Podemos afirmar que existem vários tipos de
“parentalidade nocturna”: alguns progenitores são rigorosos em proibir uma
noite inteira na sua cama, outros transformam-na numa verdadeira “cama
familiar”, em que uma ou duas crianças se acomodam, às vezes com manifesta
falta de espaço, no leito conjugal.
Os meus pais eram muito coerentes
na sua educação. À hora de deitar, eu ia dormir sozinho, sem grandes protestos.
Embora não me recorde, como é óbvio, dos meus tempos de bebé, as estórias que
me contavam eram de uma ida precoce para a minha cama; e se acordava de noite,
a minha mãe ou a minha avó iam lá sossegar-me os medos, sem que tivessem de
perturbar o seu descanso por muito tempo.
Hoje nem todos pensam como os
meus familiares. Os pais trabalham muito, reivindicam para si mesmos uma noite
sem interrupções ou preferem não ter de se confrontar com choros e birras das
crianças. Defendem o seu direito ao descanso, por vezes numa posição de algum
narcisismo. A solução passa então por aceitar que os filhos os acompanhem
durante longos períodos ou mesmo toda a noite, de modo a que não haja qualquer
período de insónia.
Alguns pediatras e psicólogos
vieram em sua defesa. Alegam que a proximidade entre pais e filhos facilita a
intimidade recíproca, acalma as crianças e permite uma tranquilidade que
favorece o desenvolvimento físico e mental. Defendem que dormir junto aos pais
é a melhor forma de evitar a “síndrome da morte súbita”, a primeira causa de
mortalidade no primeiro ano de vida, e que corresponde à morte repentina e sem
explicação no primeiro ano do bebé. Segundo os defensores do co-sleeping
(dormir em conjunto) e da family-bed (cama familiar), os pais que estão mesmo
ali ao lado podem logo intervir e salvar o filho. A investigação provou, no
entanto, o contrário: a síndrome da morte súbita ocorre muitas vezes em bebés
que estão na cama dos pais, sobretudo quando os progenitores abusam de álcool e
drogas ou tomam medicamentos para dormir.
Os meus argumentos contra o
co-sleeping são outros. Considero que o desígnio fundamental da educação é o da
autonomia, esse percurso singular que leva cada um a ser capaz de gerir a sua
própria norma, ou seja, ter uma existência independente e confiante. Uma criança
pequena não pode viver sozinha, mas pode construir o seu caminho para ser capaz
de o fazer mais tarde. Assim, dormir sozinho faz parte desse percurso a
percorrer. Até aos seis meses, a criança deve dormir num berço junto à cama dos
pais, depois (no máximo com um ano) deverá ter o seu quarto e a sua cama,
sempre que as condições da casa o permitam.
A investigação abre caminho a
outras compreensões deste problema do co-sleeping. Diversos estudos demonstram
que as crianças que permanecem muito tempo na cama dos pais exacerbam
comportamentos sexuais precoces e exibem curiosidade excessiva sobre a
intimidade dos progenitores. Por outro lado, muitos pais tornam-se demasiado
permissivos (em muitos contextos), porque não são capazes de confrontar os
filhos com um “não” durante a noite, ou então acabam por mostrar sentimentos de
culpa, por darem demasiada importância às suas próprias necessidades de repouso
e bem-estar.
A regra deverá ser: afecto antes
de dormir, sossego depois, em camas separadas.
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